Terra sem lei



O assunto é delicado.

Necessário respeito que nem todos têm demonstrado.

Repleto de sensacionalismo e exagero.

Por envolver paixão acaba sendo irracional, inconsequente e inevitável a discussão.

Não se fala outra coisa senão a morte do garoto boliviano Kevin.

Não vou entrar nos méritos que estão sendo amplamente discutidos.

Diretoria alvinegra muito culpada, mesmo alegando que não, assim como todas as outras equipes grandes do futebol brasileiro, de custear e apoiar as atividades das organizadas. Ingenuidade acreditar o contrário.

Torcidas organizadas que se julgam donas do mundo, fazem de tudo para ser temidas e não temem consequências.

Culpados ou não, ao que parece não existem santos inscritos em processo de beatificação que viajaram à Oruro e estão nesse imbróglio policial.

CONMEBOL dá cada vez mais indícios de seu despreparo administrativo e da pouca seriedade dos seus comandantes. Nunca esteve e ao que parece não estará nem em futuro longínquo à altura do grandioso futebol sul-americano.

O estádio em Oruro, que pouca segurança oferece e sequer teve revista da torcida no momento do ingresso ao interior do palco da tragédia.

Tão verdade quanto absurdo.

Tragédia anunciada, que poderia ter acontecido em qualquer lugar e acabou acontecendo nas alturas.

Se o sinalizador não tivesse atingido fatalmente o menino, provavelmente nenhuma dessas barbaridades estivesse sendo discutidas, estaria tudo uma maravilha, mas ainda assim pronto para uma tragédia.

Que sirva de lição aos envolvidos.

Mas não teço esperanças nesse sentido.

Pouco vejo de possibilidade de melhora nesse cenário.

Mas como disse, pretendo abordar outro lado dessa questão.

Algo pouco fomentado.

E que em minha opinião é até mais preocupante, sem comparações e desrespeito com as demais preocupações legítimas.

Não se sabe ao certo o que aconteceu.

Ou melhor, se imagina o que aconteceu, mas não se sabe sobre a real autoria do disparo.

É nesse ponto que gostaria de debater.

Pleno século XXI.

Direitos humanos são proclamados aos sete cantos.

ONU interagindo em terrenos devastados por conflitos e tiranos. Tentando preservar os direitos básicos do ser humano.

E o que ocorre na terra de Evo?

Doze torcedores foram presos na noite do incidente.

Preventivamente detidos para investigação.

E porque eles?

Que evidencias corroboraram que as autoridades judiciárias do país de Pablo Escobar mantivessem os brasileiros presos?

Foram transferidos para o presídio de San Jose.

Dividem espaço com condenados.

Ladrões, traficantes, assassinos.

Sem provas concretas e julgamento, os brasileiros já foram condenados pelos bolivianos.

Era preciso dar respostas para a opinião pública local e foi isso que foi feito.

Comoção na terra da coca.

Os monstros estão presos.

Justiça ágil e rigorosa.

Em nada lembra o país que é refém de cartéis.

Está certo?

Para mim está longe disso.

Dizem que o verdadeiro culpado do ato está em terras tupiniquins e que talvez se entregue para a justiça boliviana.

Não sei.

Só sei que lá parece ser feito tudo dessa maneira.

Pouco importa a legalidade.

É terra de ninguém.

Terra sem lei.

Não estou defendendo esses homens.

Longe de mim essa posição.

A questão é outra.

Não se pode agir alheio à legalidade.

Os princípios básicos do direito humano são universais, mas podem ser interpretados conforme a ocasião em alguns locais.

É necessário discernimento.

Mas parece que é pedir muito mesmo pra quem está tão perto do céu.

O drama da mangueira


Muitos comentários sobre o desfile da afamada Estação Primeira de Mangueira na Marquês de Sapucaí na última terça-feira.

Inovação na bateria.

Na verdade, nas baterias.

Duas baterias se revezavam no trabalho de acomodar o samba da verde e rosa.

Um show, como definiu seu marcante presidente.

Fantasias e alegorias luxuosas.

E mesmo assim um oitavo lugar.

Um dos jurados não gostou muito das alegorias e adereços da escola de Ivo Meirelles.

Sentenciou um 9.3 enquanto seus amigos jurados acharam próximo de 10.

Na arte como na vida.

A maioria pode até gostar do que você fez ou faz, mas alguém, as vezes de onde não se espera, sempre irá criticar, recriminar, desprezar ou um outro 'ar' desses qualquer.

Outro problema foi o tempo.

A evolução da volumosa escola foi comprometida e acabaram estourando, em muito, o tempo máximo permitido para a escola percorrer por completo a famosa avenida do samba carioca.

Mas qual a culpa da Mangueira nesse aspecto?

Eu digo: Nenhuma!

Que mangueira não iria querer ficar mais tempo dentro?

Que se dane o tempo!

Que se dane a punição!

Depois é depois.

O momento é o que interessa.

E mangueira que é mangueira vai querer retardar ao máximo sua saída e aproveitar seu momento de prazer e glória.

Mangueira que se preze adora o durante, ao som de gritos e euforia.


Como não desejar a Pitaia?


Você está no sacolão.

Ou na feira.

Absorto.

Escolhendo as maçãs que parecem mais apetitosas e suculentas.

Piloto automático ligado.

Corpo se movimentando por procedimento padrão.

É tão rotineiro e enfadante que não lhe chama atenção.

Você faz sem sentir.

Faz sem querer.

Faz sem gostar.

Eis que por um instante você move discretamente os olhos.

Sem sequer movimentar a cabeça.

Algo atrai.

Os olhos, dessa vez com a entusiasmada companhia da cabeça e pescoço, se voltam para o objeto da fugaz atração.

Você então nota uma fruta diferente das companheiras maçãs, peras e bananas.

Trata-se da pitaia.

Aquele fruto de casca vermelha te encanta.

Ainda envolto ao trabalho da seleção das pouco cobiçadas maçãs, você se vê flertando a pitaia.

É injusto?

A maçã não tem menor chance em uma absurda comparação com a pitaia.

Imponente, a pitaia domina o ambiente.

Afrodisíaca, só de olhar.

Parece intocável.

Tal qual um pavão de cauda aberta em meio a animais domésticos.

A vontade é deixar a maçã e ir até a pitaia.

Tocar.

Sentir.

Saborear.

Mas não dá.

Pitaia não é pro seu bico!

Resta-te ir pra casa e tentar, num esforço homérico e cruel, comer a maçã tal qual fosse a pitaia.

A maçã não tem culpa.

Ela é do jeito que é.

Você sempre soube.

Mas a pitaia não é habitue.

É o desconhecido.

E por isso mais gostosa.

Impossível não desejar a pitaia.


Me engana que eu finjo que gosto


Aproveitadores
Sanguessugas
Aliciadores
Tartarugas

Dorso tórrido
Impunidade sustentada
Acima do bem e do mal
Justiça envergonhada

Lei conveniente
Cervo obediente
Sorri e mostra o dente
Se finge de contente
Suposto eficiente
De fato, omnisciente!

À espera de um milagre
Em busca da felicidade
Enquanto houver esperança
Um sonho de liberdade


SOZINHO NA MULTIDÃO



A VIDA PASSA, ASSIM
TUMULTO, SOFRIMENTO
LONGE DO FIM


MUNDO INQUIETO, AGITADO
EU, TRISTE, PARADO


INERTE, AVESSO
SOZINHO NA MULTIDÃO
HORA DE RECOMEÇO?


SOMBRA SEM REFLEXO
FIXO, ATÔNITO, PERPLEXO


SE VAI SEM
SEQUER TER VINDO
ESTRAGAR
O QUE NUNCA FOI LINDO


FALTA DO TUDO
SENTIMENTO DO NADA
UM LADO DO CUBO
PRIMAVERA ACABADA


CHEIO
VAZIO


CALOR
FRIO


FIM
SIM


O pinto murcho



Era uma vez um ovo.

Reluzente.

Chamava a atenção de todos.

Comentários sobre sua aparente beleza era inevitáveis.

Outros ovos o admiravam.

Outros ainda indagavam como ele fazia para se manter daquele jeito.

E outros o invejavam e desprezavam sua boa forma.

Eis que chega o grande dia.

As cascas se quebram e os pintinhos se apresentam para o mundo.

A curiosidade era geral para saber como seria o pintinho que era coberto por tão perfeita casca.

Destoava dos demais.

Era lindo.

Impossível não percebe-lo.

Os dias se passam.

A expectativa sobre o desenvolvimento do belo pinto é grande.

O que de tão especial reside nele?

Nada.

Pelo contrário.

Enquanto seus irmãozinhos ficam cada dia mais espertos, ele se retrai.

Cabisbaixo e sem energia.

Sem vida.

Não vinga.

Se vai.

Frustração é geral.

O que teria ocorrido com ele?

Por que não correspondeu às expectativas?

Não importa.

O que importa é a lição.

Nem sempre a casca mais bela acomoda dentro dela o melhor conteúdo.

Um pinto murcho pode não estar assim por vontade própria.

Pode ser seu destino.

Pode ser seu carma.

Pode não ser nada.

E mesmo assim ser tudo.