Sociedade sobre duas rodas


A necessidade de se locomover acompanha o homem desde o início de sua existência. Desde então os meios de locomoção evoluíram muito.
Bicicleta, automóvel, trem, navio e avião são apenas alguns exemplos de meios de locomoção criados pelo homem.
Cada um deles surgiu de uma maneira e com uma finalidade, porém todos oriundos da necessidade inicial de locomoção. Dentre eles existem variações entre agilidade, conforto, ostentação e muitos outros aspectos.

Fato é que se locomover hoje é muito fácil.
Tecnicamente essa afirmação é verdadeira, pois temos máquinas capazes de nos transportar com extrema agilidade, desde que sob condições favoráveis.
É nesse ponto que temos um impasse. Temos as máquinas, mas não temos condições favoráveis. Por quê?

Nossas ruas e estradas sofrem com o excesso de veículos. Está cada vez mais fácil adquirir um automóvel. A facilidade de crédito é assustadora. Em alguns casos a pessoa compra um carro sem entrada e dividindo em 70 parcelas. Essa farra do crédito pode ter conseqüências muito desagradáveis para a sociedade, porém vou me ater na mais simples delas: esse mundo de carros que disputam espaço entre si nas ruas e estradas.
Cada vez mais cedo as pessoas passam a ter seus próprios carros. Tão logo começam a trabalhar e conquistam uma pequena estabilidade financeira realizam o sonho e compram um veículo. Esse comportamento é fruto da ineficiência do transporte público e também da sociedade brasileira, que nos pressiona a seguir padrões, e um deles indica que ter veículo é sinônimo de crescimento e sucesso pessoal.
Na contramão de tudo isso está a infra-estrutura para suportar essa população motorizada. Se as máquinas evoluem de maneira vertiginosa, nossa malha rodoviária e urbana é antiga e não acompanhou essa evolução tecnológica e quantitativa. Ou seja, temos veículos de 2012 e ruas e estradas projetadas para a realidade de 1950.
O resultado dessa equação é muito claro e está estampado em nosso dia-a-dia. O trânsito caótico não é mais ‘privilégio’ de grandes capitais. É cada vez mais comum passarmos horas na tentativa de chegarmos ao trabalho ou voltar para a casa após um dia exaustivo.
Essa situação não agrega nada em positivo para o cidadão, que está cada vez mais irritado, sem paciência e sem perspectiva de melhora.

Devido a esse panorama e a questões financeiras, um meio de locomoção teve crescimento elevado no número de adeptos nos últimos anos.
A motocicleta é uma realidade cada vez mais presente no trânsito brasileiro, porém o trânsito não está preparado para essa nova realidade.
Do ponto de vista da locomoção em si é fácil imaginar o motivo do elevado número de motociclistas hoje. Motocicletas são menores que os automóveis e muito mais fáceis de serem manobradas e por isso são usadas como fuga desse caótico trânsito.
O problema é que a conduta agressiva e arriscada da maioria dos motociclistas, além de contribuir para estigmatizar a categoria, contribui para aumentar ainda mais o caos já instalado. Motocicleta em alta velocidade com a buzina acionada transitando nos corredores formados entre os carros é cenário comum nas ruas e estradas.
O elevado índice de acidentes com vítimas envolvendo motociclistas é alarmante. Isso é um o reflexo do despreparo dos motociclistas e da sociedade.

Outra questão fundamental para o surgimento da sociedade sobre duas rodas é financeira.
Talvez quem não conheça mais de perto esse mundo das motos não consiga entender a real diferença econômica entre uma moto e um carro.
Tomemos um cenário como exemplo. Uma pessoa mora distantes 35 km do seu local de trabalho, em um trajeto intermunicipal que é contemplado com um pedágio.

Carro
Consumo médio              13 km/litro gasolina
Pedágio                               R$ 10,00

Moto
Consumo médio              29 km/litro gasolina
Pedágio                               Não paga

Assumindo:
- um mês tem em média 22 dias úteis e que o ano tem 12 meses, temos 264 dias úteis em um ano;
- valor médio da tarifa de pedágio de R$ 5,00 por trecho;
- valor médio gasolina R$ 2,50; para evidenciar a diferença a comparação foi feita com gasolina, pois nem sempre álcool é compensador e também já existem motos que rodam com álcool também.
Para a comparação tomo como base um período de 3 anos, que corresponde a aproximadamente 792 dias úteis.

Carro
Combustível (dia) = 5,4 litros x R$ 2,50 = R$ 13,50
Pedágio (dia) = R$ 10,00
Total (dia) = 23,50
Total (3 anos) = R$ 18.612,00

Moto
Combustível (dia) = 2,4 litros x R$ 2,50 = R$ 6,00
Pedágio (dia) = R$ 0,00
Total (dia) = R$ 6,00
Total (3 anos) = R$ 4.752,00

A diferença é muito grande!
Os gastos considerando apenas combustível e pedágio utilizando a moto correspondem aproximadamente 25% dos gastos com carro.
Claro que esses valores de consumo variam conforme o carro e a moto utilizados.
E essa diferença é ainda maior se considerarmos outros aspectos, tais como custo de manutenção e depreciação.

Com o cenário acima exposto acredito que o uso de motocicletas é um caminho sem volta.
Cabe à sociedade e principalmente às pessoas com poder de decisão estudar maneiras de tornar esse convívio mais harmônico. Como? Não sei, fica a questão e o apelo de quem é motociclista e motorista, e convive diariamente com essa situação. A única certeza é que da maneira que está não pode continuar.

Ações de conscientização e de estruturação devem ser tomadas, o quanto antes.
Não podemos nos conformar em perder jovens e pais de família, encher nossos hospitais com acidentados recorrentes.

Motociclistas demasiado agressivos necessitam com urgência serem reciclados. A maneira que são formados condutores deve ser repensada e a direção defensiva deve ser embutida nos novos condutores.

Motoristas devem ser treinados, desde sua formação, para conviver com os motociclistas, pois faz parte de sua rotina diária lidar com eles.

Fica a dica para os governantes pensarem atitudes práticas sobre o tema.

É urgente agir e não se conformar com o caos instalado.


Um comentário:

  1. Muito interessante o texto. A diferença de valores é impressionante! Falta, tb, conscientização de quem dirige carro, que assume que o motociclista está sempre errado e não o respeita. Quem sabe um dia veremos um mundo mais civilizado.

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